segunda-feira, 23 de julho de 2012

As relações trabalhistas esportivas ganham destaque em época de grandes eventos no país


Bichos, luvas, direito de imagem e direito de arena. Essas são apenas algumas das complexas questões jurídicas desportivas que a justiça trabalhista vem enfrentando nos tribunais. Por isso hoje no Brasil pululam cursos, palestras, seminários e debates sobre legislação desportiva, revelando que esse ramo do direito quer autonomia.
Exemplo disso foi o que aconteceu em setembro passado, durante o IV Encontro Nacional sobre Legislação Esportiva, realizado no Tribunal Superior do Trabalho (TST), quando advogados, juízes, desembargadores, diretores e especialistas se reuniram para discutir na área jurídico-desportiva ideias e sugestões em razão da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O Evento foi coordenado pelo ministro do TST, Guilherme Augusto Caputo Bastos, e teve o objetivo de proporcionar a juristas, especialistas da área desportiva e àqueles que intencionam atuar nesse ramo do Direito melhor preparação e aprimoramento.
Para o advogado Luiz Felipe Guimarães Santoro, Presidente do IBDD - Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e membro da Comissão de Estudos Jurídico Desportivos do Ministério do Esporte, eventos como o Encontro Nacional promovido pelo TST são fundamentais para o desenvolvimento do Direito Desportivo brasileiro. "Temos Copa do Mundo e Olimpíadas a caminho. O campo para os advogados se abrirá enormemente e os profissionais que quiserem aproveitar as oportunidades deverão estar devidamente capacitados.", ressaltou Santoro.
Contudo, a realidade jurídico-trabalhista entre as entidades esportivas e os atletas ainda é turva para a maioria da população. Ninguém sabe muito bem como se dão essas relações trabalhistas. O que prevalece são assuntos como cartolagem, bicho, luvas, tapetão e megasalários para alguns jogadores, enquanto outras modalidades esportivas reclamam apoio, buscam de patrocínios, bolsas e se submetem a treinamentos escorchantes.  Para alguns especialistas essa "monocultura" do futebol leva outras modalidades à falta de investimentos, além de que criar peculiaridades jurídicas indesejáveis dentro do direito desportivo, como se este se limitasse à área de futebol, em detrimento dos demais esportes.
Quanto à lei, considera-se atleta profissional de todas as modalidades desportivas aquele que recebe remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva. Também se aplicam a eles as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, com exceção das peculiaridades da Lei Pelé (Lei 9.615/98) ou integrantes do respectivo contrato de trabalho. Além disso, existe a Justiça Desportiva (STJD e TJD), que cuida das infrações disciplinares e das transgressões cometidas por jogadores, técnicos, massagistas, dirigentes árbitros, etc.
Política desportiva
Muitas das ações que chegam ao TST sobre direito esportivo são de atletas que reivindicam vínculo de emprego com as entidades.  Em março deste ano, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão do TRT da 3ª Região (MG), em ação movida por um jogador de handebol do Clube de Regatas Vasco da Gama, que queria ver reconhecida sua condição de atleta profissional.  Para o TRT mineiro, a atividade econômica preponderante do Vasco é o futebol, cuja atividade-fim é a contratação de atletas dessa modalidade, e não a do autor da ação, já que o handebol seria um esporte tipicamente amador. Nesses casos, a jurisprudência tem entendido que estando ausentes requisitos caracterizadores da relação empregatícia, como pagamento de determinada quantia, como decorrência da atividade desenvolvida pelos jogadores, e subordinação jurídica, não há vínculo empregatício.
A mudança da mentalidade desta relação vem ganhando destaques diante das discussões jurídicas sobre os aspectos trabalhistas e previdenciários. Especialistas em direito desportivo defendem cada vez mais que o bom funcionamento dos órgãos judicantes é fundamental para o desenvolvimento do esporte brasileiro e para que haja maior equidade entre as modalidades.

Aspectos legais
As primeiras discussões em relação à Justiça Desportiva no país coincidem com a criação da Justiça do Trabalho, em 1941. Nesse ano, o Decreto-lei n° 3.199 instituiu o Conselho Nacional de Desportos, de âmbito nacional, e os Conselhos Regionais de Desportos, de abrangência estadual. Em 1976, surge a Lei n° 6.354, a chamada Lei do Passe, dispondo sobre as relações entre jogador profissional de futebol e clube. Com a Constituição de 1988, artigo 217, firma-se o desporto como um direito de cada um, cabendo ao Estado o fomento da prática desportiva, seja ela fundada em normas e regras (prática formal) ou não.
Em 1993, foi a vez da Lei Zico (Lei 8.672/93), que propunha, entre outras coisas, o fim da Lei do Passe, redefinir mecanismos fiscalizadores e regulamentar as novas formas comerciais no futebol. Mas a lei sofreu muita pressão das entidades desportivas e dirigentes, que pediam principalmente a retirada do artigo que revogava a Lei do Passe. Para os especialistas, o principal marco de mudança no cenário do esporte foi a Lei 9.615/1998 (Lei Pelé), que substituiu Lei do Passe, e trouxe um novo regime, com mecanismos de controle das agremiações, composição dos tribunais desportivos e incentivo à profissionalização. As suas mais recentes modificações, introduzidas pela Lei 12.395, aprofundaram ainda mais os princípios ali contidos. Entre as modificações, a lei prevê a responsabilização dos dirigentes por gestão temerária, a proteção dos interesses das agremiações que investem em jovens atletas, proteção da saúde dos atletas, cláusulas penais indenizatória e compensatória, controle da atividade dos empresários, regulamentação formal de direitos de imagem e de arena, entre outros aspectos. Hoje nos tribunais, por exemplo, uma das questões mais discutidas no direito desportivo trata do recebimento de valores a título de direito de arena e direito de imagem. Embora digam respeito a todos os atletas profissionais, essas matérias em sua maioria compõem conflitos entre clubes e jogadores de futebol.
Regulado pela Lei 9.615/98 (Lei Pelé), o direito de arena decorre de participação do atleta nos valores obtidos pela entidade esportiva com a venda da transmissão ou retransmissão dos jogos em que ele atua. Ou seja, do montante negociado, a lei diz que o atleta tem direito a um percentual, que deverá ser proporcionalmente rateado entre todos os jogadores, inclusive os reservas.  A doutrina e a jurisprudência trabalhistas têm entendido que o valor pago a título de direito de arena integra a remuneração do empregado e se equipara às gorjetas, uma vez que é pago por terceiros, e não diretamente pelo empregado.
Outra parcela é o direito de imagem. Esse representaria uma negociação livre entre o atleta e o clube, um contrato particular, de natureza cível. É a exploração da imagem do atleta, que não se confunde com relação trabalhista dele com o clube, embora normalmente a intermediação entre os atletas e os patrocinadores seja feita pelo clube.
Recentemente o TST julgou o caso de um ex-jogador do Sport Club do Recife, João Henrique de Andrade Amaral, mais conhecido como Andrade, que lutava para receber do clube os valores referentes ao direito de imagem. O TST reconheceu a natureza salarial do direito e julgou procedente o pedido de diferenças pela integração dos valores pagos a título de direito de imagem, conforme prevê o artigo 457 da CLT.
Um dos casos de maior repercussão ultimamente foi o do jogador Ronaldinho Gaúcho, que entrou na justiça para cobrar do clube rubro-negro mais de R$ 40 milhões de vencimentos atrasados, parte da quantia referente aos direitos de arena e de imagem.
"A CLT não cabe dentro da prática do futebol"
Supervalorização do esporte, ídolos que são ao mesmo tempo atletas e vendedores de um produto ou marca, luvas, bichos, multas milionárias e dano moral. Como equacionar o direito desportivo trabalhista com a realidade da exploração econômica do esporte. Como deve atuar a justiça trabalhista no meio desse turbilhão? 
Para o ministro do TST, Guilherme Caputo Bastos, o futebol deveria ter uma legislação própria: "A CLT não cabe na prática do futebol", afirma. Bastos defende uma lei específica para a modalidade e diz que não podemos fechar os olhos para a realidade. Leia a entrevista completa amanhã no nosso site na segunda parte da matéria especial sobre direito esportivo brasileiro.
Fonte: TST

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